SONETO À VIRGEM
Ó Virgem! eu vi Job leproso em seu lameiro,
torcido qual carvalho a que o tufão arraste,
exclamar na aflição: - Maldito o homem primeiro!
Maldito o ventre, ó Mãe, em que tu me geraste!
Ó Virgem! eu vi Cristo amarrado ao madeiro,
como o branco marfim ou lírio roxo na haste,
suspirar num sol-pôs magoado e derradeiro:
- Ó meus Deus! Ó meus Deus! porque Me abandonaste?
Ó Virgem, vi Raquel chorando os filhos mortos,
errante, esguedelhada, olhos doidos, absortos,
pelas serras, à lua, encher Judeia de ais.
Mas vi-Te, ó Mãe, depois ao teu morto estreitada,
branca, sem cor, sem voz, feita em pedra, pasmada,
e a soluçar uivei - Tu é que sofres mais!
(Gomes Leal)