Chaves na mão, melena desgrenhada,
batendo o pé na casa, a mãe ordena
que o furtado colchão, fofo e de pena,
a filha o ponha ali ou a criada.
A filha, moça esbelta e aperaltada,
lhe diz coa doce voz que o ar serena:
- «Sumiu-se-lhe um colchão? É forte pena;
olhe não fique a casa arruinada...»
- Tu respondeste assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,
arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
sai-lhe o colchão de dentro do toucado!...
Vai mísero cavalo larazento,
pastar longas campinas livremente;
não percas tempo, enquanto to consente
de magros cães faminto ajuntamento.
Esta sela, teu único ornamento,
para sinal da minha dor veemente,
de torto prego ficará pendente,
despojo inútil do inconstante vento.
Morre em paz, que, em havendo algum dinheiro,
hei-de mandar, em honra de teu nome,
abrir em negra pedra este letreiro:
«Aqui piedoso entulho os ossos come
do mais fiel, mais rápido sendeiro,
que fora eterno, a não morrer de fome».
(Nicolau Tolentino)