Portaria 69035
Dos vadios
No filme de 1933, “A Canção de Lisboa”, a personagem Vasquinho, definia a sua vida de estudante cantando: ”De capa ao ar, cabeça ao léu, sem me ralar vivia eu, a vadiar, e tudo mais eram cantigas”. Contudo, o Código Penal em vigor decretava prisão até seis meses para quem fosse considerado vadio.
Vadio era “aquele que não tem domicílio certo em que habite, nem meios de subsistência, nem exercita habitualmente alguma profissão ou ofício, ou outro mister em que ganhe a sua vida”.
Das professoras primárias
Por sua vez, quem ganhasse a vida exercendo funções de professora primária, estava proibida de casar sem autorização do Ministro da Educação. No decreto-lei da década de 50 que estabelecia esta regra podia ler-se:
“O casamento das professoras não poderá realizar-se sem autorização do Ministro da Educação Nacional, que só deverá concedê-la nos termos seguintes:
1º Ter o pretendente bom comportamento moral e civil;
2º Ter o pretendente vencimentos ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora.”
Regulação do casamento das professoras primárias
Solicitação de autorização do Ministro da Educação para contrair matrimónio
Dos isqueiros e acendedores
Mas, atente-se que se o futuro marido da professora primária fosse fumador, teria de acender os cigarros com fósforos, ou então adquirir uma licença de isqueiro.
Isto porque em Novembro de 1937, o Decreto-lei nº 28219 estabelecia que, qualquer cidadão, para poder utilizar isqueiros (ou outro tipo de acendedores) em público, tinha que possuir uma licença, passada pela Repartição de Finanças.
A licença servia apenas para um isqueiro e para o seu respectivo portador, que não o podia emprestar. Os fiscais de isqueiros e a Polícia podiam apreender o acendedor e multar quem não tivesse este documento. Este Decreto-lei viria a ser abolido em 1970.
Licença para uso de acendedores e isqueiros (frente)
Licença para uso de acendedores e isqueiros (verso)
Dos trajes de praia
Mas, mais ainda: se o dito futuro marido da professora quisesse fumar na praia, acompanhado da sua noiva, ambos teriam de levar um fato de banho à medida. Isto porque, em 1941, chegaram a Portugal muitos refugiados da Segunda Guerra Mundial, que não estavam habituados ao pudor e conservadorismo do Portugal Salazarista. Consequentemente, o Ministro do Interior ditou:
“Factos ocorridos durante a última época balnear mostraram a necessidade de se estabelecerem, com a precisão possível, as normas adequadas à salvaguarda daquele mínimo de condições de decência que as concepções morais e mesmo estéticas dos povos civilizados ainda, felizmente, não dispensam”
A 5 de maio desse ano, nasce o decreto-lei 31:247, que integrava “várias disposições sobre o uso e venda de fatos de banho”, instituindo e estabelecendo “o sistema de fiscalização e sanções a aplicar aos transgressores”. Assim, homens e mulheres passariam a obedecer a regras específicas na forma de vestir na praia:
Os homens deveriam utilizar “fato inteiro em que o pano anterior se prolonga cobrindo toda a frente do calção, de costura a costura lateral. O calção deve ser justo à perna, de corte direito e terá um comprimento de perna mínimo de dois centímetros. A frente do fato, qualquer que seja a forma do decote, deve cobrir a parte anterior do tronco, tapando os mamilos. As costas podem ser decotadas até à cintura”.
Para as mulheres, “o fato de banho deve ser inteiro e ter saiote fechado. O calção interior é justo à perna, de corte direito e deve ter o comprimento de perna mínimo de dois centímetros. O saiote, que pode ser independente do corpo do fato, terá o comprimento necessário para exceder, pelo menos de um centímetro, a extremidade inferior do calção depois de vestido. A frente do fato deve cobrir a parte anterior do corpo, não podendo o decote ser exagerado, a ponto de descobrir os seios. As costas poderão ser decotadas até dez centímetros acima da cintura, sem prejuízo do corte das cavas que devem ser, quanto possível, cingidas às axilas”.
Em ambos os casos não era permitido o uso de fatos que se tornassem “imorais pela sua transparência”. As raparigas até aos 10 anos e os rapazes até aos 12 estavam dispensados das normas supracitadas, excepto “nos casos de desenvolvimento precoce”.
Decreto-lei 31:247, de 5 de maio Decreto-lei 31:247, de 5 de maio de 1941
Do mobiliário da sala de aula
No final da época balnear, quando a professora regressasse à sala de aulas, a sala deveria estar correctamente configurada: “por detrás e acima da cadeira do professor um crucifixo, como símbolo da educação cristã determinada na Constituição”. A introdução do crucifixo nas escolas é decretada pelo Lei n° 1941 de 11 de Abril de 1934.
O crucifixo na escola primária O crucifixo na escola primária
Mas Salazar não se ficou por aí. No decreto n.º 25:305/1934, de 9 de maio, destinado a fixar o mobiliário mínimo para o funcionamento de cada sala de aula de instrução primária determina que em cada uma deverá haver “devidamente emoldurado, o retrato do Chefe do Estado e, resguardada em redoma conveniente, uma bandeira nacional”.
Sala da Escola primária Adães Bermudes, Alcobaça, em 1938 Sala da escola primária Adães Bermudes, Alcobaça
Dos livros e estudos
No entanto, não se pense que a sala de aula estaria cheia de alunos dos mais variados estratos sociais. Nesta época, só os filhos das famílias mais abastadas tinham oportunidade de estudar, daí que ainda hoje a maior taxa de analfabetismo esteja entre a população mais idosa. Outras particularidades são, por exemplo, o facto de na província os alunos terem de pedir a benção ao professor e, em Lisboa, dar os bons dias em coro.
Num livro de leitura da primeira classe podia ler-se, antes da aula:
“Todos: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amén.
Professor: Jesus, divino Mestre,
Todos: Iluminai a minha inteligência, dirigi a minha vontade, purificai o meu coração, para que eu seja sempre cristão fiel a Deus e cidadão útil à pátria.
Todos: Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória”
E depois da aula:
“Professor: Graças vos damos, Senhor,
Todos: Por todos os benefícios que nos tendes concedido. Amén.
Professor: Abençoai, Senhor,
Todos: A Vossa Igreja, a nossa pátria, os nossos Governantes, as nossas famílias e todas as escolas de Portugal. Pai-Nosso, Avé-Maria, Glória. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amén”
Dos vadios
No filme de 1933, “A Canção de Lisboa”, a personagem Vasquinho, definia a sua vida de estudante cantando: ”De capa ao ar, cabeça ao léu, sem me ralar vivia eu, a vadiar, e tudo mais eram cantigas”. Contudo, o Código Penal em vigor decretava prisão até seis meses para quem fosse considerado vadio.
Vadio era “aquele que não tem domicílio certo em que habite, nem meios de subsistência, nem exercita habitualmente alguma profissão ou ofício, ou outro mister em que ganhe a sua vida”.
Das professoras primárias
Por sua vez, quem ganhasse a vida exercendo funções de professora primária, estava proibida de casar sem autorização do Ministro da Educação. No decreto-lei da década de 50 que estabelecia esta regra podia ler-se:
“O casamento das professoras não poderá realizar-se sem autorização do Ministro da Educação Nacional, que só deverá concedê-la nos termos seguintes:
1º Ter o pretendente bom comportamento moral e civil;
2º Ter o pretendente vencimentos ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora.”
Regulação do casamento das professoras primárias
Solicitação de autorização do Ministro da Educação para contrair matrimónio
Dos isqueiros e acendedores
Mas, atente-se que se o futuro marido da professora primária fosse fumador, teria de acender os cigarros com fósforos, ou então adquirir uma licença de isqueiro.
Isto porque em Novembro de 1937, o Decreto-lei nº 28219 estabelecia que, qualquer cidadão, para poder utilizar isqueiros (ou outro tipo de acendedores) em público, tinha que possuir uma licença, passada pela Repartição de Finanças.
A licença servia apenas para um isqueiro e para o seu respectivo portador, que não o podia emprestar. Os fiscais de isqueiros e a Polícia podiam apreender o acendedor e multar quem não tivesse este documento. Este Decreto-lei viria a ser abolido em 1970.
Licença para uso de acendedores e isqueiros (frente)
Licença para uso de acendedores e isqueiros (verso)
Dos trajes de praia
Mas, mais ainda: se o dito futuro marido da professora quisesse fumar na praia, acompanhado da sua noiva, ambos teriam de levar um fato de banho à medida. Isto porque, em 1941, chegaram a Portugal muitos refugiados da Segunda Guerra Mundial, que não estavam habituados ao pudor e conservadorismo do Portugal Salazarista. Consequentemente, o Ministro do Interior ditou:
“Factos ocorridos durante a última época balnear mostraram a necessidade de se estabelecerem, com a precisão possível, as normas adequadas à salvaguarda daquele mínimo de condições de decência que as concepções morais e mesmo estéticas dos povos civilizados ainda, felizmente, não dispensam”
A 5 de maio desse ano, nasce o decreto-lei 31:247, que integrava “várias disposições sobre o uso e venda de fatos de banho”, instituindo e estabelecendo “o sistema de fiscalização e sanções a aplicar aos transgressores”. Assim, homens e mulheres passariam a obedecer a regras específicas na forma de vestir na praia:
Os homens deveriam utilizar “fato inteiro em que o pano anterior se prolonga cobrindo toda a frente do calção, de costura a costura lateral. O calção deve ser justo à perna, de corte direito e terá um comprimento de perna mínimo de dois centímetros. A frente do fato, qualquer que seja a forma do decote, deve cobrir a parte anterior do tronco, tapando os mamilos. As costas podem ser decotadas até à cintura”.
Para as mulheres, “o fato de banho deve ser inteiro e ter saiote fechado. O calção interior é justo à perna, de corte direito e deve ter o comprimento de perna mínimo de dois centímetros. O saiote, que pode ser independente do corpo do fato, terá o comprimento necessário para exceder, pelo menos de um centímetro, a extremidade inferior do calção depois de vestido. A frente do fato deve cobrir a parte anterior do corpo, não podendo o decote ser exagerado, a ponto de descobrir os seios. As costas poderão ser decotadas até dez centímetros acima da cintura, sem prejuízo do corte das cavas que devem ser, quanto possível, cingidas às axilas”.
Em ambos os casos não era permitido o uso de fatos que se tornassem “imorais pela sua transparência”. As raparigas até aos 10 anos e os rapazes até aos 12 estavam dispensados das normas supracitadas, excepto “nos casos de desenvolvimento precoce”.
Decreto-lei 31:247, de 5 de maio Decreto-lei 31:247, de 5 de maio de 1941
Do mobiliário da sala de aula
No final da época balnear, quando a professora regressasse à sala de aulas, a sala deveria estar correctamente configurada: “por detrás e acima da cadeira do professor um crucifixo, como símbolo da educação cristã determinada na Constituição”. A introdução do crucifixo nas escolas é decretada pelo Lei n° 1941 de 11 de Abril de 1934.
O crucifixo na escola primária O crucifixo na escola primária
Mas Salazar não se ficou por aí. No decreto n.º 25:305/1934, de 9 de maio, destinado a fixar o mobiliário mínimo para o funcionamento de cada sala de aula de instrução primária determina que em cada uma deverá haver “devidamente emoldurado, o retrato do Chefe do Estado e, resguardada em redoma conveniente, uma bandeira nacional”.
Sala da Escola primária Adães Bermudes, Alcobaça, em 1938 Sala da escola primária Adães Bermudes, Alcobaça
Dos livros e estudos
No entanto, não se pense que a sala de aula estaria cheia de alunos dos mais variados estratos sociais. Nesta época, só os filhos das famílias mais abastadas tinham oportunidade de estudar, daí que ainda hoje a maior taxa de analfabetismo esteja entre a população mais idosa. Outras particularidades são, por exemplo, o facto de na província os alunos terem de pedir a benção ao professor e, em Lisboa, dar os bons dias em coro.
Num livro de leitura da primeira classe podia ler-se, antes da aula:
“Todos: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amén.
Professor: Jesus, divino Mestre,
Todos: Iluminai a minha inteligência, dirigi a minha vontade, purificai o meu coração, para que eu seja sempre cristão fiel a Deus e cidadão útil à pátria.
Todos: Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória”
E depois da aula:
“Professor: Graças vos damos, Senhor,
Todos: Por todos os benefícios que nos tendes concedido. Amén.
Professor: Abençoai, Senhor,
Todos: A Vossa Igreja, a nossa pátria, os nossos Governantes, as nossas famílias e todas as escolas de Portugal. Pai-Nosso, Avé-Maria, Glória. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amén”